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  Com que intensidade devo treinar?  

por Stefan de Moncada

(english version below)

« Com que intensidade e regularidade devemos treinar?

Quanto tempo e energia devemos investir para retirar o que pretendemos do treino das artes marciais?


Estas perguntas são importantes visto que muitos praticantes desistem das artes marciais por não conseguirem atingir certos objectivos, ou porque tinham uma ideia errada do treino.

Assim, antes de atribuir a culpa ao praticante, ao instrutor ou ao estilo de luta, a verdadeira questão é saber o que queremos retirar das artes marciais. O que é que procuramos quando vamos treinar? Defesa pessoal? Paz interior? Fitness? Sermos campeões, etc.?

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Todas estas perguntas ajudam-nos a encontrar o estilo, a escola e o instrutor mais adequado para nós.

Se não nos questionarmos acerca disto, a prática marcial poderá ter o efeito contrário ao pretendido e afastar-nos ainda mais do nosso objectivo. Existem, portanto, certas respostas que apenas nós podemos encontrar e que não podem ser dadas pelo nosso instrutor ou mestre. E compreender porque treinamos pode ser o primeiro passo para o processo de auto-conhecimento. É fundamental, além de identificar o que nos motiva, encontrar um estilo de luta com o qual nos identificamos psicologicamente e que se adequa à nossa morfologia, idade, etc. Alguns estilos demoram anos e requerem muito treino antes de serem eficazes. Outros estilos, pelo contrário, podem tornar-nos num lutador competente em apenas poucos meses. Mas todos têm qualidades que nos vão atrair de maneira diferente.


A questão não é debater se um estilo é melhor do que outro. Essa é uma falsa questão: os estilos são, na realidade, as pessoas. Pessoas que são mais ou menos competentes no que fazem. Não existe “o melhor estilo”, existe apenas o estilo que funciona melhor para nós.


Muitas vezes, tendemos a projectar nos outros as razões dos nossos fracassos. No caso das artes marciais não é diferente. Nas artes marciais dependemos de um professor para aprender e, ao mesmo tempo, dependemos unicamente de nós mesmos. Isto é, dependemos de um professor para nos guiar, mas ele não nos pode transmitir directamente a sua experiência, nem conhecimentos. Apenas pode, através de meios hábeis, mostrar-nos um caminho para lá chegar. Mas quem tem de percorrer esse caminho somos nós, sozinhos.

Vamos portanto partir do princípio que se um aluno quer mesmo aprender, ele irá aprender independentemente do método ou estilo que o professor usa. Se um aluno não deseja realmente aprender, nada há que um professor possa fazer. A atitude de aprendizagem, ou esse estado de abertura, é uma condição fundamental e necessária para evoluir. Para treinar artes marciais, sejam elas quais forem, se não tivermos uma vontade e determinação sólida, não vamos a lado nenhum. Como diz o mestre de Systema, Vladimir Vasiliev: "O factor chave para dominar a Arte Marcial Russa é o desejo. Tens de querê-lo. Não se pode simplesmente pegar numa pessoa, trazê-la ao ginásio e estar à espera que ela se destaque. A determinação é essencial. (…) A melhor coisa que um professor pode fazer é dar ao aluno um espírito forte".


Uma vez adquirida esta dedicação, é meio caminho andado. Mas só nos dedicamos a algo se soubermos o que queremos, o que nos entusiasma e o que nos motiva - daí o auto-conhecimento ter de ser o primeiro passo.

Como diz o mestre japonês, Kensho Furuya, "(…) se formos por um caminho em que nunca estivemos antes, e estamos confiantes da nossa direcção, então podemos avançar sem hesitação. Se não estamos confiantes da direcção que tomamos, então devemos ir devagar."


O esforço e dedicação são necessários pois o caminho das artes marciais não é linear nem claro. Tem fases, como tudo na vida, em que às vezes sabemos o que estamos a fazer, e outros momentos mais escuros, em que não se percebe nada ou estagnamos física e psicologicamente. Toda a questão é perseverar no caminho porque o que nos motiva tem de transcender esses estados emocionais de satisfação ou frustração. Ou melhor, a nossa razão de treinar não deve depender desse tipo de dualidade. É sabido que o excesso de expectativas resulta frequentemente na frustração. Se há uma lição a retirar é aprender com a frustração, erros e ilusões, e não desistir, porque cada erro é uma oportunidade para nos superarmos. O estado de espírito inerente a este tipo de prática é a humildade: devemos assumir os nossos erros e querer corrigi-los. Portanto, se não estamos dispostos a enfrentá-los e a sentir o desconforto que por vezes poderá acompanhá-los, este discurso não fará sentido.
A atitude a assumir é a de que se pode aprender toda a vida. Podemos aqui recorrer à expressão japonesa, shoshin, mente de principiante. Como diz o mestre zen Shunryu Suzuki, "na mente do principiante há muitas possibilidades, mas poucas são as que existem na do perito."


Um facto contraditório é que existem estilos de artes marciais que, embora defendam e promovam este estado de espírito, na prática repetem constantemente o mesmo movimento e proíbem o aluno de treinar de modo criativo e natural. Este método torna o praticante especialista numa área específica mas incapaz de mudar ou fornecer soluções alternativas porque está demasiado condicionado pelos movimentos mecânicos que aprendeu. A mente e o corpo não são livres, mas condicionados.


A arte marcial russa, Systema, é um bom exemplo de uma prática onde a liberdade e a criatividade assumem um papel fundamental. Não pretendendo ser um estilo de artes marciais como um outro qualquer, a dificuldade e desafio do Systema reside no facto de não se caracterizar por uma aprendizagem de movimentos fixos e por não proporcionar nenhuma solução definitiva. E porque este método de treino não se define por nenhuma técnica específica, a sua execução é livre e de progressão infinita. Quando um estilo cria katas ou formas fixas, não há mais espaço para o progresso.


Artes marciais que partilham o mesmo ponto de vista que o Systema (o Jiu-Jitsu Brasileiro também é um bom exemplo), são métodos de treino que permitem desenvolver as capacidades físicas e mentais mais adequadas para resolver uma situação de risco. Com um treino que se baseia na compreensão dos conceitos básicos, na biomecânica do corpo humano e nos princípios do movimento, estas artes irão permitir ao praticante desenvolver, de maneira natural e espontânea, as "técnicas" que melhor se adaptam às nossas características físicas e estados emocionais numa dada situação.


Com que regularidade treinar artes marciais?

Penso que depende dos vários motivos pelos quais treinamos. Se treinarmos artes marciais para fugir ao sedentarismo e adquirir noções de auto-defesa, então duas vezes por semana poderá ser o suficiente. Se treinarmos artes marciais procurando um progresso e evolução constante, então não há limite para o número de vezes que devemos treinar.


As artes marciais requerem mais que tudo, uma atitude específica perante a vida. O progresso das artes marciais depende unicamente daquelas pessoas que estão dispostas a trabalhar duro, investigar e desenvolver as bases.


Não existem segredos nas artes marciais – está tudo aí para aprendermos e o único segredo é a prática.

Apenas uma prática constante e diligente e uma dedicação sincera irão permitir-nos progredir, aprender e compreender o que fazemos.


À questão, com que intensidade devemos treinar, apenas podemos responder que retiraremos dos treinos somente aquilo que lá pusermos. »

  How hard should we train?  

by Stefan de Moncada

« How hard should we train?

How much time and energy should we spend to get what we seek from martial arts training?


These are important questions since many practitioners give up martial arts because they fail to achieve their goals, or because they had the wrong idea of the training. Therefore, before blaming the practitioner, the instructor or the martial arts style, the true question is to know what we want to achieve from martial arts.

What do we look for when we train? Self-defense? Peace of mind? Fitness? Becoming a champion, etc?


The answer to these questions will help to lead us to the appropriate style, school and martial arts teacher. If we don’t ask ourselves these questions, the martial arts training could have the opposite effect and pull us even more apart from our goal. There are answers that can only be given by us, and not our instructor or master. Understanding why we train can be the first step of the self-awareness process. Besides identifying our motivation, it is essential to find a style I can relate to mentally, physically, according to my age, etc. While certain styles can take many years and hard training to be effective, other can turn us into a competent fighter in few months. But each style has qualities that will attract us in different ways.


The question is not to know if a style is better than the other. That question doesn’t make sense because styles are in reality, people. People more or less competent in what they do. The “best style” doesn’t exist. Only what works best for us exists.


When faced with failure, we tend to project it onto others. It’s not different in the martial arts world. We depend on a teacher to learn, and at the same time we depend exclusively on us alone. This is to say, the teacher is there to guide us, but he cannot directly transfer his experience or knowledge. He can only show us, through different ways, a path to get us there. But we are the ones who have to walk that path alone. We can say that if a student really wants to learn, he will learn regardless of the teaching method or style that the teacher uses. If a student doesn’t really want to learn, there is nothing that a teacher can do for him. The attitude of learning from someone, that state of openness is fundamental and a necessary condition to evolve. If we don't have a solid will and determination when we train martial arts, whatever they are, we won’t get anywhere. As the Systema master Vladimir Vasiliev says in the Russian System Guidebook: "In fact, the key factor in mastering the Russian Martial Art is desire. You’ve got to want it. You can’t just take a person off the street, bring them in the gym and expect them to excel. Determination is essential. (…) I believe that the main thing a teacher can give a student is a strong spirit."


Once acquired this dedication, half the way is done. But we can only dedicate ourselves if we know want we want and what drives us – therefore the importance of self-awareness. As the Japanese master Kensho Furuya explains, "if you are following a road you have never been on before, and you are confident you know the directions, you can walk without hesitation. If you are not confident of the way, you must go slowly."


The effort or dedication is necessary because the martial arts way is not clear or linear. As with everything in life, there are stages in martial arts when things go well and as planned, other times we seem lost and may stagnate physically and psychologically. What matters is to persevere in this path because what drives us must transcend those emotional states of satisfaction or frustration. In other words, our reason to train cannot depend on those kinds of dualities. It is known that the excess of expectations frequently results in frustration. We must learn from our frustrations, errors and illusions and not give up, because every error is an opportunity to overcome ourselves. The state of mind required in this practice is humility: we must assume our mistakes and want to correct them. So, if we are not willing to confront them in the first place, and feel the discomfort that they may sometimes bring, this whole idea won’t make sense.
The key is to remember that we can learn something new every day of our life. In Japanese this attitude is called, shoshin, "beginners mind". Like the zen master Shunryu Suzuki says, "in the beginners mind there are many possibilities, but in the expert’s there are few."


Although the intention of many martial arts styles is to encourage open-mindedness, the repetitive, often mechanical, movements required, refrain the student from training in a creative and natural way. Becoming an expert in such martial arts hinders the student from adapting to alternative solutions. While this training method can turn the practionner into an expert in a specific style, it is incapable of stimulating a creative approach to problems. The body and mind are not free or liberated, but conditioned.

Martial arts that share the same perspective as the russian style, Systema (Brazilian Jiu-Jitsu is also a good example), are good examples of training methods where freedom and creativity have a fundamental role. Not wanting to be a martial arts style like any other, the difficulty and challenge of Systema, for example, relies on the fact that it doesn’t define itself by any fixed movement and that there isn’t any definitive solution. And because this training method isn’t defined by any specific technique, it’s execution is free and the progress is without limits. When a style creates katas or fixed forms, there is no more space for progress.


Martial arts like these are training methods that allow us to develop essentials physical and mental skills to handle stressful situations. Through a training based in fundamental concepts, human biomechanics and in the principals of movement, these martial arts allow us develop, in a natural and spontaneous way, the “techniques” that best adapt to our body type and to our emocional state of mind during stressful moments.


How often should we practice martial arts?

I think the answer depends on the various reasons why we train. If we train martial arts to reduce a sedentary lifestyle and / or acquire some self-defense moves, then perhaps a twice a week practice should be enough. If we train martial arts seeking constant improvement in ourselves, then there is no limit to the frequency of training.


Martial arts require more than anything else, a specific attitude towards our life. The progress of martial arts will solely depend on those people who are willing to work hard, investigate and develop the basics. There are no secrets in martial arts – everything is there to be learned and the only secret is practice. Only a constant and diligent practice and sincere dedication will allow us to progress, learn and understand what we do.


To answer the question, how hard should we train, we can say that we’ll get from the training only what we put into it. »

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